DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES

Notícias 8 de Mar de 2023

8 de março, 2023.
Hoje é aquele fatídico dia que muitos dão chocolate, perfume e roupa nova para mostrar um carinho àquelas pessoas que amamos: irmãs, mães, filhas, avós e amigas. Apesar de quase todo mundo gostar de chocolate, perfume e roupa nova, essa data não deveria ser comercial. Hoje é dia de reflexão e de memória, em honra daquelas que lutaram pelo que lhes era digno, para não esquecermos quem lutou pelos nossos espaços e quanta luta foi necessária - e ainda hoje é!

8 de março, 1917
Cerca de 90 mil mulheres se juntam nas ruas de São Petersburgo para demandar comida, melhores condições de trabalho e a saída da Rússia na guerra. Durante a manifestação exigiram pão e se colocaram contra o regime Czarista.

9 de março, 1917
Cerca de 150 mil pessoas estiveram nas ruas. Essas manifestações foram movimentos determinantes em direção à Revolução Russa. Manifestações que inclusive não são eventos isolados, mulheres sempre estiveram nas linhas de frente de movimentos que de fato contribuem para o bem-estar do próximo.

  • Atualmente

Mulheres lutam pela sociedade, lutam para sobreviver. Nossas antepassadas são símbolos de força e resistência. Grandes nomes do ativismo e das revoluções sociais como Angela Davis, Simone de Beauvoir, Djamila Ribeiro e Judith Butler são apenas poucas dentre as várias outras que nos trouxeram até aqui e permitiram que tivéssemos menos desigualdades, mais direitos e conquistas de espaço. Porém, mesmo com essa luta incessante e incansável, continuamos enfrentando diversos tipos de violências, preconceitos e condições de desigualdade.

São imensuráveis as contribuições femininas para toda e qualquer sociedade, em toda área do conhecimento, executando trabalhos complexos, que demandam dedicação e tempo. É revoltante que mesmo com tamanha participação, as mulheres tenham recebido em média 20,5% menos do que os homens no 4º trimestre de 2021, contra 19,7% a menos no final de 2020, conforme a pesquisa publicada no site do G1. "É como se a cada ano a mulher trabalhasse 74 dias de graça" diz a pesquisadora Thais Barcellos.

Segundo o levantamento publicado no último dia 6 pela Rede de Observatórios de Segurança, é registrado um caso de violência contra a mulher a cada quatro horas e um assassinato por dia. Em 2022 foram registrados 2.423 casos, 495 deles feminicídio (20,43% das ocorrências), sendo que a maioria das agressões foram cometidas pelos seus companheiros ou ex-companheiros. São Paulo lidera os registros de casos de 898 violações a cada dez horas.

Mulheres machistas e antifeministas

Como se não bastasse tudo o que passamos, vemos crescer o número de mulheres que se manifestam a favor da causa que as oprime. Ingrid Santiago é uma autointitulada coach que viralizou na internet após dizer que homem não deve lavar a louça, pois isso diminui sua energia masculina. Na sua fala, diversas vezes ela reforça para as mulheres serem sábias e tomarem essa decisão, com uma tentativa de convencer as ouvintes com seu discurso e parecer algo culto e necessário. Segundo a coach, quando homens lavam a louça e fazem tarefas de casa "destinadas às mulheres", ele começa a perder sua masculinidade e aumenta seu lado feminino, causando um tipo de castração. Essa atitude leva a consequência de que essa mulher não terá um homem de verdade ao seu lado, ao mesmo tempo, em que nega que se trata de uma fala machista. Para este homem ser um homem de verdade, a mulher precisa deixar ele fazer o que quiser e quando quiser no dia a dia, coisas de homem, pois isso potencializa seu lado másculo e ele se tornará um homem próspero, a ponto de futuramente, em vez da mulher limpar a casa, haverá pessoas trabalhando para eles, limpando para eles e assim chegando ao ponto de prosperidade, harmonia e riqueza.


Mesmo com todos os anos de luta feminina, a sociedade continua extremamente machista, e os reflexos disso também são perceptíveis nas comunidades digitais. O desprezo pelas mulheres somado à incapacidade de lidar com sentimentos e rejeições se tornaram a combinação perfeita para o surgimento de movimentos e grupos misóginos. Não tão novos assim, apenas repaginados, os antigos incels e atuais “redpill”, usam como inspiração o filme Matrix, onde a pílula azul significa viver em um mundo de ilusão e a vermelha, despertar para a realidade. Esse movimento atrai diversos seguidores, monetiza o machismo e reforça a maneira com que a sociedade subjuga as mulheres.

Essa comunidade misógina é um exemplo de como a sociedade se une para subjugar as mulheres. Não temos culpa das suas virgindades, não temos culpa por serem tão babacas a ponto de nenhuma mulher se sentir atraída por vocês. Busquem ajuda profissional e parem de vender conteúdo de livros misóginos como coach. Parem de nos ameaçar.
"É processo ou bala" - Calvo do Campari.
Ameaçou uma, ameaçou todas!

A mulher como propriedade

As discriminações são combinadas, a misoginia e o racismo andam de mãos dadas, e isso reflete no salário, na expectativa de vida, na probabilidade da sua filha ir comprar pão e não voltar mais. As condições materiais apontam que isso não é de agora, não é um problema que surgiu do nada, não é um erro de percurso, não é acidente. É projeto.

Uma análise que vale a pena ser mencionada é a de Engels, "que retirou o gênero da camisa de força da biologia e situou as razões das desigualdades entre homens e mulheres fora dos destinos inscritos nos corpos. Revelou, também, os elos entre a estrutura de classes, a opressão de gênero e o papel do casamento e da autoridade masculina na tessitura dessa teia de subordinação, controle da reprodução biológica, dos bens econômicos e da propriedade privada. Engels não foi o único a tratar dos vínculos entre economia, família e subordinação das mulheres no século XIX, mas sua obra foi pioneira ao formular uma teoria materialista das bases de desigualdade e ao tentar explicar, com base nos conceitos de produção e de reprodução, os vínculos entre a subordinação das mulheres e a família como unidade de reprodução econômica." (A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Friedrich Engels. Por Clara Araújo).

O capitalismo e algumas religiões foram as principais ferramentas usadas para oprimir a mulher, tratando-a como propriedade privada do homem por meio da submissão e subjugação. Muitas foram oferecidas em casamento para oficializar a paz entre nações, outras foram vendidas como "dote", e ainda nos dias de hoje, nos deparamos com meninas prometidas a homens adultos. A mulher vem sendo comercializada, agredida, violada e assassinada ao longo da história e ainda nos dias de hoje, é considerado normal um homem rebaixar uma mulher, seja em relações pessoais ou no trabalho. Um simples pedido de desculpas e tudo é esquecido, fica tudo bem para todos, menos para quem foi a vítima. As mulheres já estão cansadas de sofrer esse tipo de violência e, para quem não sabe, é o primeiro passo para que o feminicídio se consuma, pois as agressões vão escalando agressivamente até o assassinato da mulher. Viramos estatísticas, pois a sociedade não é capaz de nos ver como seres humanos, que merece respeito em primeiro lugar. Nós demos a luz a todos que aqui estão ou não lendo. Você, homem ou mulher, se ao presenciar um ato de agressão se calar, saiba que encobriu e incentivou a escalada dessas agressões que podem resultar em feminicídio.

Depoimentos

Cresci em um lar desestruturado, com pai alcoólatra e mãe narcisista. Ambos machistas.

Era uma criança de uns 5-6 anos quando meu pai me violentou. Minha mãe se recusava a deitar com ele, por causa do cheiro de cachaça, então ele descontava em mim. Cresci quieta, triste, apavorada por qualquer demonstração de afeto, pois me sentia culpada por tudo que aconteceu. Desabafava, escrevendo, descobriram e passei uma semana trancada em um banheiro escuro. Sofria violência por parte de mãe, irmão e pai. Aos 14 consegui meu primeiro emprego, aos 17 engravidei de um cara de 23 anos de idade. O meu desespero por qualquer tipo de afeto positivo me fez seguir todos os passos que ele me pedia. Fugi de casa, grávida, e até o momento não desconfiava que estava em um relacionamento abusivo. Ele tomou todo dinheiro que eu havia guardado no banco, não era muito, mas era meu. A família dele começou a me dominar também, sofria agressões verbais e humilhações por estar na casa deles, com um bebê e não trabalhar.

Esse cara me estuprou diversas vezes, me agrediu verbal e fisicamente no meio da rua, enquanto os "valentões" apenas assistiam. As mulheres da rua riam. Eu queria me separar, mas ele ameaçava a mim e a minha família frequentemente.

O tempo passou e a minha bolsa estourou. Fui a pé até o posto de saúde, pois o estrupício nem para isso serviu. De lá me encaminharam para um hospital, dentro de uma ambulância.

Curiosamente minha mãe aceitou me visitar, e saindo do hospital, voltei para a casa dos meus pais. O estrupício apareceu na porta e ameaçou a mim, à minha família e ao nosso filho de morte, caso eu não voltasse. Não tive saída, tive que voltar. Eu e meu filho passamos fome e sede nessa época. Eu estava tão anestesiada nessa época, que não tinha forças nem para me matar. Nove meses depois ele foi preso, acusado de espancar até a morte uma menina de 14 anos.


São incontáveis as amigas e conhecidas que sofrem de algum problema psicológico que ronda a questão de gênero, tenho amiga agredida, tenho amiga em relacionamento abusivo, tenho amiga estuprada, tenho amiga que sofreu violência obstétrica, tenho amiga que apanhou na rua por mandar um cara ir a merda depois de ser assediada e também tenho amiga morta. Minha amiga que morreu provavelmente não vai ser considerada hoje, não vai ser lembrada, porque afinal de contas mulher trans não é mulher, né? Dali as feministas radicais transfóbicas que vão dizer que hoje não é dia de falar disso, até porque hoje é dia de lembrar da luta das mulheres. Mas que mulheres são essas? Dou minha cara a tapa, como todos os dias, que a resposta é: a branca, de classe média alta, padrão de corpo e cabelo. Mulher preta também não existe hoje. Mulher gorda nem deve ser considerada. A lista é grande se formos citar todas as que são desconsideradas quando o objetivo é falar sobre ser mulher, é sempre um ponto de vista excludente porque nem mesmo as mulheres estão vendo como somos ensinadas a excluir umas as outras.

Para não esquecer

Não esqueceremos os casos em que mulheres denunciaram um estupro e foram tratadas como rés no julgamento. Não esqueceremos que uma mulher foi denunciar um caso de violência doméstica e um policial a trancou em uma sala na delegacia e a estuprou. Não esqueceremos da mulher que foi estuprada e seu caso foi vendido à imprensa por uma enfermeira. E não esqueceremos também dos julgamentos que fizeram contra ela, quando ela decidiu entregar a criança para adoção. O caráter da mulher é sempre posto à prova, enquanto o agressor sai impune à qualquer tipo de retaliação, apenas por nascer homem.

Não esqueceremos de você, mulher, que é assediada moral e sexualmente no seu trabalho. Que acorda e levanta a cabeça todos os dias e não deixa o mundo te esmagar.

E para aquelas que ainda não conseguiram levantar a cabeça, saibam que vocês não estão sozinhas. Estamos com você.

8 de março, 2023.
Para não se cair no esquecimento de quem lutou pelos nossos espaços.

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